terça-feira, 15 de julho de 2008

O primeiro conto publicado

O primeiro conto clariceano publicado foi Triunfo, em 25/05/1940, nas páginas da revista Pan. Foram três páginas com ilustrações.
Triunfo falava sobre o intricado relacionamento de Luísa e Jorge. O ambiente doméstico surge como cenário para relato da experiência interior de Luísa, que se vê na solidão após ser abandonada por Jorge.
Luísa se identifica com muitas outras personagens da ficção de Clarice no perfil emocional e nas sensações minuciosamente expostas.

"Vai até a pia e molha o rosto. Sensação de frescura, desafogo. Está despertando. Anima-se. Trança os cabelos, prende-os para cima. Olha-se no espelho e parece uma colegial. Procura o batom, mas lembra-se a tempo de que não é mais necessário. [...] Preparou o café e tomou-o. E como nada tivesse para fazer e temesse pensar, pegou numas peças de roupa estendidas para lavagem e foi para o fundo do quintal, onde havia um grande tanque. Arregaçou as mangas e as calças do pijama e começou a esfregá-las com sabão. Assim inclinada, movendo os braços com veemência, o lábio inferior mordido no esforço, o sangue pulsando-lhe forte no corpo, surpreendeu a si mesma. Parou, desfranziu a testa e ficou olhando para frente."

Jorge vai embora pois, segundo ele, ao lado de Luísa e seus excessivos cuidados, não conseguia se concentrar para continuar seu trabalho de escritor. Com o rompimento da relação, Luísa sente se manifestar em si um comportamento que oscila entre a passividade e a lucidez da dimensão de sua natureza feminina.
Desde sua primeira publicação, as características clariceanas são evidentes: o estilo literário, o cuidado na escolha das palavras para apresentar as sensações das personagens femininas, o fluxo da consciência, o discurso centrado na mulher, a exposição de conflitos íntimos sobre os diferentes modos de amar.
E como termina Triunfo? Assim:

"Luísa terminou a tarefa. Rescendia toda ao cheiro áspero e simples do sabão. O trabalho fizera-lhe calor. Olhou a torneira grande, jorrando água límpida. Sentia um calor... Subitamente surgiu-lhe uma idéia. Tirou a roupa, abriu a torneira até o fim, e a água gelada correu-lhe pelo corpo, arrancando-lhe um grito de frio. Aquele banho improvisado fazia-a rir de prazer. De sua banheira abrangia uma vista maravilhosa, sob um sol ardente. Um momento ficou séria, imóvel. O romance inacabado, a confissão achada. Ficou absorta, uma ruga na testa e nos cantos dos lábios. A confissão. Mas a água corria gelada sobre seu corpo e reclamava ruidosamente sua atenção. Um calor bom já circulava em suas veias. De repente, teve com um sorriso, um pensamento. Ele voltaria. Ele voltaria. Olhou em torno de si a manhã perfeita, respirando profundamente e sentindo, quase com orgulho, o coração bater cadenciado e cheio de vida. Um morno raio de sol envolveu-a. Riu. Ele voltaria, porque ela era a mais forte."

Um comentário:

Blog Clarice Lispector disse...

Claro.
Blog lindo, vou colocar seu link também.